cerco coreográfico n.1
Então, eu creio que a maior parte dos temas que nós trabalhamos parte de uma idéia de que a classe média é o centro de tudo, e os próprios partidos de esquerda produzem discurso de classe média, os pobres andam como enfeite. Mas a interpretação do Brasil, dos nossos partidos de esquerda é a interpretação da classe média, como se o central fosse imitar as classes médias naquilo que elas são em vez de partir para uma outra forma de interpretação da realidade brasileira.

Eu creio que uma primeira observação a fazer é quanto à questão da emoção. Nós aprendemos todos que: ou eu pensou, ou eu sinto, excluindo a emoção como fábrica da produção do conhecimento. Então, a gente teria que abandonar esse lado da epistemologia do iluminismo que já trouxe conseqüências muito importantes na produção do conhecimento da América Latina. Mas isso é matéria para outro debate. O que eu sustento, e comigo estão outras pessoas que são pouco numerosas ainda, mas isso não importa (o fato de ser pouco numeroso) é que a emoção me permite obter a liberação dos quadros, quaisquer que sejam os quadros estabelecidos, inclusive os quadros do pensar... Nesse sentido, o sentimento e a emoção têm um papel motor na produção do conhecimento. As classes médias, sobretudo as brasileiras, essas que se criaram no clima do consumo, que é um redutor do pensamento, que se criaram no clima de regime autoritário... Vocês, que agora, de novo, estão vivendo um regime autoritário a partir da violência da informação que torna difícil aos pobres e a todas as pessoas entender o que se passa, porque a informação está malgrada nos jogos da mídia e a culpa não se pode atribuir somente a ela. Isso porque a informação é centralizada, o jornal brasileiro dispõe de meios para indicar o que o mundo está sendo hoje, o que ele foi ontem, o que ele é amanhã. Eles se valem de informações que lhe são dadas por grandes agências que também são grandes agências desses grandes monstros que comandam este mundo perverso. Então, as classes médias estão desamparadas, na medida em que elas são naturalmente enquadradas, e desse enquadramento que vem esta prosperidade, e daí a sua dificuldade para pensar, daí as dificultados das universidades de encontrar o novo.

Também, mas isso é próprio da história. Eu creio, eu prefiro olhar para o futuro. Os massacres, o que nunca houve foi, digamos, um mundo governado pela informação e contrariado pela comunicação. Eu acho que o que é extraordinário neste mundo, deste fim de século, sobretudo o que faz a importância da vida urbana, é essa produção a partir de baixo, de algo que é revolucionário, no sentido de que os pobres acabam por ver mais o que o mundo está sendo. Nós não temos muita forma de ver o mundo porque nós estamos contentes com o nosso conforto, com os nossos diversos confortos: o conforto do nosso bairro, o conforto do nosso consumo, o conforto das idéias estabelecidas, que tudo isso é um entrave à produção do conhecimento e um entrave à produção do futuro, o futuro está lá embaixo.